A morte e a vida da Eireli no ordenamento jurídico brasileiro
Buscando facilitar a abertura de empresas e a desburocratização societária, foi publicada, em 26 de agosto deste ano, a Lei nº 14.195, que trouxe a sociedade limitada unipessoal ao ordenamento jurídico brasileiro e pôs fim à existência da empresa individual de responsabilidade limitada, nascida da Lei nº 12.441/2011.
A empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli) surgiu para dar solução a um antigo problema enfrentado por aqueles que buscavam a constituição de uma empresa cujo patrimônio e responsabilidade fossem dissociados dos sócios, possibilitando a existência de uma empresa constituída de um único titular de quotas.
Antes da criação das empresas individuais de responsabilidade limitada, os empreendedores que buscavam a abertura de um novo empreendimento tinham apenas duas opções: 1) seguir com seu empreendimento como empresário individual, cuja responsabilidade é ilimitada; ou 2) encontrar alguém que acreditasse na ideia para constituírem juntos uma sociedade limitada.
Contudo, com o tempo percebeu-se que a exigência de pluralidade de sócios acabava criando sociedades fictícias, nas quais um dos sócios possuía a grande maioria das quotas sociais e tomava todas as decisões, enquanto o outro sócio, que detinha quantidade muito menor de quotas, sequer participava dos atos e tomadas de decisão.
Isso acabava criando um ambiente de instabilidade e insegurança, conduzindo à problemática acerca da personificação de um ente não coletivo e, principalmente, a possibilidade/necessidade de separação do patrimônio entre o empresário e a sociedade unipessoal.
Essa separação patrimonial diz respeito à limitação da responsabilidade e possui dupla função: proteger o empresário, dando condições para que ele separe o patrimônio da sociedade de seu pessoal, e proteger os credores, tanto da sociedade quanto da pessoa natural, resguardando o pagamento das dívidas adquiridas por cada um dos entes de forma apartada.
A primeira função traz ao empresário a segurança de que seus bens pessoais não serão afetados pela atuação da sociedade, fazendo com que tome decisões mais arrojadas e empreendedoras. Assim, acaso as decisões sejam desacertadas terá o empreendedor ciência de que apenas o patrimônio colocado à disposição da sociedade será abalado.
Já a segunda função traz aos credores a consciência de que o lastro para pagamento das dívidas adquiridas pelo empresário são os bens da empresa, assim, terão condições de conceder créditos, prazos e condições de negociação para a sociedade cujo capital social, bens e saúde financeira, será de seu conhecimento.
Entendeu-se necessária a formalização dessa separação patrimonial e a doutrina passou a adotar formas não societárias de organização unipessoal. No Brasil, como bem demonstraram Erasmo e Marcelo , essa discussão teve início em 1947, quando o deputado Freitas e Castro apresentou o primeiro projeto de lei sobre o assunto; contudo, a discussão não prosseguiu.
Com a Lei das SA, surgiu então a primeira sociedade unipessoal, a subsidiária integral, cujo único acionista é a sociedade brasileira. Foi trazida também pela primeira vez a possibilidade de temporariedade da unipessoalidade em SA, que primeiramente a jurisprudência alargou para a sociedade limitada e, com o Código Civil, restou formalizada na legislação.
Nove anos depois do Código Civil, em 11 de julho de 2011, foi publicada a Lei nº 12.441 que acrescentava o artigo 980-A ao CC em uma tentativa de dar solução ao problema de constituir uma empresa cujo patrimônio e responsabilidade fossem dissociados da figura de seu único sócio. Surgia, assim, a Eireli.
Contudo, essa novidade já chegou sendo criticada pela doutrina, em especial porque o artigo 44 do Código Civil foi alterado para inclusão do inciso VI, causando confusão se se trataria de uma nova pessoa jurídica ou um novo tipo societário; além disso, para ser constituída, exigia capital social mínimo de cem salários mínimos e era proibida a constituição de mais de uma por pessoa natural.
O estabelecimento de capital social mínimo em valor elevado acabou afastando essa figura das pequenas e médias empresas, desvirtuando a intenção do legislador de “tirar da informalidade negócios de menor porte” . Já na discussão se se tratava ou não de um novo tipo societário, a doutrina seguia o entendimento de que, mesmo que não tivesse sido a opção legal, na prática a Eireli possuía muitas características de sociedade limitada unipessoal.
Aprovada a Lei de Liberdade Econômica, e semeada a ideia de constituição da sociedade limitada unipessoal, “a grande razão de ser da Eireli, que era cumprir o papel de único instrumento para limitação da responsabilidade de quem empreende individualmente, deixou de existir” e, como bem destacado no Ofício Circular SEI nº 3510/2021/ME do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei) para todas as Juntas Comerciais:
“Agora a sociedade limitada também cumpre esse papel, e o faz de modo mais atrativo para o empreendedor, diante da desnecessidade de integralização de capital mínimo para constituição e de o sócio único pessoa natural não ter limitação quanto à quantidade de sociedades limitadas que pode constituir”.
O amadurecimento desse debate trouxe condições para que o legislador brasileiro absorvesse as críticas e aperfeiçoasse o instituto no Brasil, sanando os defeitos e trazendo uma figura mais robusta e organizada, oferecendo mais liberdade aos empreendedores e mais segurança aos credores.
Assim, substituída pela sociedade limitada unipessoal, cessa-se a existência da Eireli após dez anos de existência conturbada no ordenamento jurídico brasileiro.
Fonte: Consultor Jurídico
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